Terá a ciência ido longe demais? A pergunta surge logo que compreendemos a natureza da mais recente grande descoberta da paleobiologia, a ciência que estuda os organismos do passado geológico da Terra: a descrição do ânus de um dinossauro. O dono do reto, inclusive, possivelmente estava defecando na hora da morte.
Essa é a primeira vez que cientistas encontram uma cloaca — o órgão era usado para defecar, urinar, botar ovos e copular entre esses animais — em tão boa situação, o que permite que biólogos descrevam as funções da anatomia dos dinossauros com mais detalhes.
O buraco é um verdadeiro canivete-suíço da anatomia e pertenceu a um Psittacosaurus, um dinossauro de cauda eriçada do tamanho aproximado de um labrador. A cloaca dele está tão bem preservada que foi possível observar também a presença de "glândulas odoríferas almiscaradas", provavelmente usadas para atrair parceiros para a cópula.
"A anatomia dessa cloaca é única", afirmou Jakob Vinther, paleobiólogo da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e principal autor do estudo, ao site LiveScience.
Segundo o pesquisador, o reto do animal é bem diferente do mesmo órgão dos pássaros, os parentes ainda existentes mais próximos dos dinossauros.
"Parece um pouco com a abertura posterior de um crocodilo, mas é diferente. É sua própria cloaca, moldada de maneira única e perfeita", completou Vinther.
Na mesma entrevista, o pesquisador mostrou que cientista também festeja, e relembrou o momento em que percebeu que tinha algo inédito nesse fóssil: "Oh meu Deus, a cloaca está realmente bem preservada".
Com a descoberta, paleobiólogos esperam responder enigmas sobre o sistema reprodutor e excretor dos dinossauros, bem como possíveis semelhanças com espécies ainda vivas.
Sem oxigênio
Como é uma área cheia de bactérias e outros micro-organismos, a cloaca geralmente é uma das primeiras a se decompor. Mas esse Psittacosaurus morreu em um lago, em uma região vulcânica com pouco oxigênio, o que ajudou a preservar as regiões íntimas dele.
O ângulo da morte também ajudou: sua cloaca estava para fora da superfície terrestre e ficou tão preservada que cientistas encontraram o que pode ser um pedaço fossilizado de fezes.
Mesmo com a descoberta inédita, alguns mistérios permanecem: nenhum dos tecidos moles reprodutivos foi preservado, a exemplo de um pênis, então não é possível especular se o espécime era macho ou fêmea.
A observação da cloaca do Psittacosaurus começou em 2009. O animal pertence ao Museu Senckenberg de História Natural em Frankfurt, Alemanha, e Vinther viu os restos mortais dele quando foi ao local estudar outro fóssil.
"Olhei o fóssil e e percebi que os padrões de cores [da pele] foram preservados. Em 2016, descrevemos esses padrões de cores e então também notei a cloaca, que é o que descrevemos agora após um longo estudo", afirmou Vinther em entrevista em entrevista a revista VICE.
Mamíferos são exceção
Se a existência da cloaca — um orifício multiuso — parece assustadora (nojenta, até) para nós humanos, saiba que ela está presente em muitas espécies.
Pássaros, répteis, anfíbios e peixes estão entre os animais que possuem cloaca, o que permite a cientistas saberem como o orifício funciona em animais "modernos".
Agora, será possível comparar e obter insights de como os animais utilizam o orifício.
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